O Pó e o Mármore
Hoje é tempo de mãos desatadas;
Esculturas de papel derretendo no orvalho;
Flanela jogada sobre o parapeito sujo.
Tempo de estátuas de parafina;
Mercadoria vencida na prateleira em escombro;
Tatuagem de rena junto ao bronze de festim.
Devo lançar-me ao acaso?
Posso abraçar então o que me repele?
Sem pretensão de consolo ou conivência o eco me responde:
O desespero não serve a quem abandona a trilha.
Foram-se os anjos em arrodeio;
Avolumam-se nuvens de tempos imemoriais.
Frátrias partidas; cabanas ao vento;
Pombos rasgados ao sol de verão.
Hoje é tempo de falsos homens;
Fotografia esquecida no fundo do armário;
Fartas porções da ração de erro.
Inimigos em fúria arrotam jargões impenetráveis;
Olhos esquivos; Ancião vagando sob a chuva rala.
Os braços se cruzam, mas não se tocam.
As coxas se esbarram e não se sentem.
Desço na praça Rio Branco fantasiado pela paisagem antiga.
Com o velho cinzel me debruço sobre a poeira do asfalto.
Sem umidade ou argamassa lanço o que me inspira ao sol poente.
E, por um segundo de apelo, vejo a miragem estática da chã criatura
Que, introspecta, e ao sabor do pagão chamamento
Lança-me a mão em aventura.
Na imensidão do palco o jovem respira.
Aceita o drama, fecha as cortinas e se desfaz em semente.
Lucas Rodrigues
1 comentário
Parabenizo-te pelo texto. No mundo atual, altamente capitalista, competitivo, seletivista, que valoriza o homem cada vez mais especializado, tudo em nome da manutenção do poderio econômico-financeiro das grandes potências, dos grandes empresários, do corporativismo…. Nesse mundo, não há mais a imagem do homem sensível e emotivo, aquele que buscava sua realização sem perder sua essência de SER HUMANO, que agia não só pela razão, mas com sentimentos, com emoção, com AMOR. Este homem, infelizmente, se transformou com o tempo, tornado-se um zumbi, um alienado pelo TER, esquecendo-se simplesmente que, para a vida ter sentido, seria necessário antes de tudo, SER.